A proposta da obra
pretende tratar os problemas com princípio heurístico, ou seja usa o métodos genéricos tanto em
problemas genéricos quanto em problemas particulares.
Os fatos estudados são
todos fatos sociais totais Sobre a noção de totalidade, muitas coisas foram ditas.
Mauss fala ora de "homem total", ora de "fato social
total". “No primeiro caso trata-se da natureza indissociavelmelite
psico-orgânica e social do homem. Aqui Mauss é fiel à tese durkheimiana
do homo duplex. No segundo caso, trata-se do caráter
indissociavelmente jurídico, econômico, estético, morfológico, etc. de todo
fenômeno social”. São
fenômenos ao mesmo tempo jurídicos, econômicos, religiosos, e mesmo estéticos, morfológicos
etc. São jurídicos, de direito privado e público, de moralidade organizada e
difusa, estritamente obrigatórios ou simplesmente aprovados e reprovados,
políticos e domésticos simultaneamente, interessando tanto as classes sociais
quanto os clãs e as famílias. Essas instituições têm um aspecto, além de
religioso e econômico, estético muito importante. As danças, os cantos e os
desfiles de todo tipo, as representações dramáticas que se oferecem, os objetos
mais diversos que se fabricam, usam, enfeitam, pulam, recolhem e transmitem com
amor, tudo que se com alegria e se apresenta com sucesso, os próprios festins
de que todos participam, tudo, alimentos, objetivos e serviços, mesmo o
"respeito", como dizem os Tligit, tudo é causa de emoção estética e
não apenas de emoção da ordem da moral ou do interesse.
Na obra de EdgarMorin encontramos essa mesma perspectiva “Nas sociedades arcaicas, ornamentos,
músicas, cantos, danças, acompanham todas as atividades da vida, exaltam as
festas e as cerimônias”. O estado estético como “um transe de felicidade, de
graça, de emoção, de gozo e de felicidade. A estética é concebida aqui não
somente como uma característica própria das obras de arte, mas a partir do
sentido original do termo, aisthètikos, de aisthanesthai, “sentir”. Trata-se de
uma emoção, uma sensação de beleza, de admiração, de verdade, e no paroxismo de
sublime; aparece não só nos espetáculos ou nas artes, entre os quais,
evidentemente, a música, o canto, mas também os odores, perfumes, gostos dos
alimentos, ou das bebidas; origina-se no espetáculo da natureza”.
Hölderlin disse, com razão, que
“o homem habita poeticamente a terra”. Cabe complementar: “O homem habita
poeticamente e prosaicamente a terra” [...] Ignorado uma dimensão antropológica
capital: o ser humano não vive só de pão, não vive só de mito, vive de poesia.
Vive de música, de contemplações, de flores, de sorrisos.
Portanto, são mais
que temas, mais que elementos de instituições, mais que instituições complexas,
mais até que sistemas de instituições divididos, por exemplo, em religião,
direito, economia etc. São "todos", sistemas sociais inteiros cujo
funcionamento tentamos descrever. Estudamos as sociedades abrangendo seu estado
dinâmico, não as estudamos como se estivessem imóveis, num estado estático o
cadavérico. Foi considerando o conjunto que pudemos perceber o essencial, o
movimento do todo, o aspecto vivo, o instante fugaz em que a sociedade toma, em
que os homens tomam consciência sentimental de si mesmos e de sua situação
frente a outrem. Há, nessa observação concreta da vida social, o meio de
descobrir fatos novos que apenas começamos a entrever. Em nossa opinião, nada é
mais urgente e frutífero do que esse estudo dos fatos sociais. Percebemos
quantidades de homens, forças móveis, que flutuam em seu ambiente e em seus
sentimentos.
O princípio e o fim da sociologia
é perceber o grupo inteiro e seu comportamento inteiro. Todos estudam ou
deveriam observar o comportamento de seres totais e não divididos em
faculdades. Nós, sociólogos, observamos reações completas e complexas de
quantidades numericamente definidas de homens, de seres completos e complexos. Descobriria ao cabo dessa
pesquisa que as sociedades progrediram na medida em que elas mesmas, seus
subgrupos e seus indivíduos, souberam estabilizar suas relações, dar, receber
e, enfim, retribuir. Para começar, foi preciso inicialmente depor as lanças. Só
então as pessoas souberam criar e satisfazer interesses mútuos, e finalmente,
defendê-los sem precisar recorrer às armas.
Lembremos que esse estudo permite a
Mauss ao mesmo tempo tocar o "concreto", pôr em evidência o mecanismo
central de solidariedade que é a reciprocidade, criticar o utilitarismo das
teorias econômicas e extrair um princípio heurístico que consiste em estudar os
fatos como "fatos sociais totais". É para ele uma maneira de
"tocar uma das rochas humanas sobre as quais se assentam nossas
sociedades". O "mérito" de Mauss é, como sublinha Renê Maunier
na resenha que fará do "Ensaio sobre a dádiva" para a Année
Sociologique, demonstrar duas coisas: 1) "a vida dos ‘primitivos’
é mais complexa, mais ativa, mais dinâmica que acreditamos: é preciso não
representá-la como ‘estática’; 2) "a vida econômica está profundamente
ligada à moralidade e à religiosidade. Tudo está em tudo".
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